Este artigo visa a, resumidamente, defender a cultura poética e seu valor dentro do movimento de divulgação espírita.
Se listarmos os grandes propulsores da evolução humana, decerto o pensamento contínuo será decisivo pilar, desdobra-se na linguagem articulada, dentre seus segmentos encontraremos a escrita como marco evolutivo, a literatura como decorrência, a poesia como um dos refinamentos.
Tão certo quanto variam as personalidades no campo da psicologia, as impressões digitais como critério de identificação física dos sujeitos, assim também o estilo do escritor constitui singularidade. Tal aspecto é muito relevante para a compreensão do fenômeno mediúnico que eclodiu em Chico Xavier e se consubstanciou no livro Parnaso de Além-Túmulo como atestado de sobrevivência dos autores espirituais. O fenômeno abalou muitos acadêmicos das letras porque não se falseiam Juvenais Galenos, Cruzes e Souzas, Augustos dos Anjos, Carmens Ceniras, Anteros de Quentais, Júlios Dinizes, para não citar as outras dezenas...
O livro instigou a polêmica e a fogueira se acendeu para sempre. Alegam uns que se trata de pastichos (nome técnico de imitações), animismos, coisas do inconsciente ou da má-fé; outros contrapõem que, na hipótese de ser uma farsa, mais lucraria o médium caso assinasse o próprio nome e se arvorasse como beletrista, auferisse participação na comercialização, arrogasse para si - quem sabe? - ao menos uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.
Pelo fato de estarmos em ambiente espírita, poupar-nos-emos de argumentação sobre a vertiginosidade da produção, peculiaridades do processo, valor essencial das comunicações e outros aspectos que interessariam a outros propósitos.
A arte poética consiste em trabalhar com as palavras que a seu turno servem a idéias de maneira particular, com brilhos de formas, fundos, elementos, signos, entrecruzamentos de imagens, em resumo, estabelecendo marcos sensíveis através da palavra (escrita e/ou falada). Varia, especialmente, quanto a modalidades e temas. Assim, para efeito de exemplificação, temos versos religiosos, românticos, naturalistas, psicológicos, revolucionários e muitas outras classes.
A estrutura pode obedecer a padrões de medidas, de rimas, de troncos lingüísticos (relacionados a períodos históricos, civilizações, culturas), de intensidade, de ritmo e do que mais o artista queira “construir” sua obra, jogar com sua inspiração.
Do exposto, várias defesas se depreendem: a poesia é uma modalidade artística, envolve musicalidade, é rica de elementos constituintes (estrutural e essencialmente), patenteia o escrevente, tem misto de fugacidade e de perenidade...
Tem potencial para consagrar idéias, perpetua a morta Ismália, singulariza uma pedra no caminho, inspira um hino, arrebata apaixonados, disseca emoções, transporta impérios, divide histórias, transporta culturas, dissemina expressões, fecunda vocabulários, desengaveta dicionários, encanta personagens, revela atributos, devassa modos, interpreta traços, diz o indizível de maneira às vezes incompreensível...
Qual de nós nunca leu um poema que correspondia mais ou menos ao que gostaríamos de ter escrito sobre algo ou para alguém? E quando nos servimos dos versos para transmitir o que sentimos e sem eles não alcançaríamos precisão? Inversamente, acredito que ocorreu com os leitores, sei lá quantas vezes, de contestar a fama de um poema que consideramos repulsivo, sem sentido, pessimista, contraditório, exagerado, infantil, em suma, reprovável (conquanto na arte se evite a idéia de condenação valorativa). Ora, nisto está uma das forças do poema: a provocação... Perturba o universo dos sujeitos.
Embora se conteste a divisão rígida de estilos e as linhas de tempo que alguns analistas propõem, há predominância de modelos na história literária. Daí as caracterizações típicas de escolas como Arcadismo, Romantismo, Simbolismo, Parnasianismo, Modernismo, para citarmos apenas algumas. A obra de poetas consagrados às vezes são amálgamas de características dessas escolas. Alguns mudaram as características com o tempo, ou as manifestaram simultaneamente (um dos casos mais clássicos é o de Fernando Pessoa que comunica os seus “eus” através de personagens com pseudônimos e estilos diversos, como se fossem personalidades autônomas). Comumente os analistas literários se referem a fases de desenvolvimento do artista. Os fatores que atuam nessas transformações podem se relacionar a maturação da personalidade, incidentes (ocorrências isoladas), influência de obras e pessoas, exercitação, inspiração momentânea, etc. Evidentemente, a evolução de um escritor não significa que sua produção se aprimora continuamente. Pode melhorar a técnica ou tornar-se descuidado, revelar-se clássico na primeira publicação ou apenas em idade avançada, suceder mediocridades a grandes produções, mudar os motivos, tornar-se mais pessimista, transitar de um estilo romântico para um realista, de um religioso para um acético, de parnasiano para modernista; ou seja, o percurso é imprevisível... Também quantitativamente, para ilustrar valhamo-nos dos romances, há autores conhecidos por apenas um livro e situações como a de Honoré de Balzac, autor de A Comédia Humana, resultante de oitenta e oito obras de sua autoria, reunindo milhares de personagens muito diferentes entre si (Balzac, anos sucessivos, escreveu durante quinze horas por dia).
A afinidade especial com uma ou outra corrente é questão subjetiva. Natural também que haja gosto eclético e que, em vez de se preferir este ou aquele modo, se prefira as obras e cada movimento tenha suas excelências em meio às representações de todos os tempos.
Em termos de Espiritismo, apenas conheço as referências de língua portuguesa, nota-se a valorização da virtude, o intimismo, a musicalidade, a rima (não como obsessão, mas como recurso primoroso), a métrica, em suma, os elementos que conferem formosura e profundidade clara ao poema. Isso não diminui o valor, por exemplo, do surrealismo do ponto de vista da ciência literária e de seus aficcionados. Ao mesmo tempo, é deduzível que muitíssimas das correntes sociológicas, psicológicas, artísticas, antropológicas (e congêneres) são auxiliares do grande estudo do espírito humano, mas nem todas as obras “entram no reino dos céus”. As aberrações musicais, os poemas sujos, as monstruosidades esculturais, apenas para exemplificar, não passam da alfândega da União Divina...
Em resumo, é compreensível que a linguagem se reveste de encanto no exercício poético e todas as idéias (e ideais) são maleáveis a essa arte. O poeta materializa sua inspiração, define a forma, seleciona palavras e expressões, cria imagens, estabelece metáforas, comunica sentimentos, interage com o leitor que refaz o ato poético através da leitura e interpretação.
O mercado editorial considera a poesia um mau investimento. Alega-se que os versos às vezes são lidos, mas geralmente não são pagos. Entretanto, do fato de a estratégia mercadológica não estar para publicações poéticas não decorre que os versos se possam desprezar, mesmo porque são inerentes à comunicação humana. Surgem nos repentistas, viajam com os cavaleiros, florescem nos românticos, preenchem os cordéis, vibram na história, condecoram livros, fulguram em jornais, pulsam nos cadernos escolares... Pergunta-se: isso não é cultura? Não é popular? Talvez caiba discutir mesmo se não é instintivo em nós o sentido poético. Ora, se somos atraídos pela beleza, se as paisagens deslumbram a uns, a música fascina a outros, por que não incluir a arte de versejar entre os nossos impulsos divinos?
Metaforizando, a poesia pode ser interpretada como a dracma perdida, a composição inédita como o talento enterrado, a composição não lida como o terreno inexplorado, a lavra pessoal às sementes do semeador, devendo cada um de nós dar conta de sua administração e recebendo segundo as obras.